Mês: fevereiro 2022

Empregada que sofreu assédio sexual de superior hierárquico será indenizada

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) condenou um hotel em Alexânia e um empregado, de forma solidária, a pagar R$ 5 mil a uma empregada que sofreu assédio sexual. O superior hierárquico da funcionária, que trabalhava como recreadora na empresa, surpreendeu a vítima no elevador e tentou beijá-la a força. O Colegiado reformou a decisão do Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Anápolis. Na sentença, o Juízo considerou que o ato isolado não seria capaz de configurar assédio sexual e levou em conta o pedido de perdão feito pelo reclamado.

Consta dos autos que a empregada, após comunicar o fato à empresa, foi dispensada. Ela ajuizou uma ação solicitando reparação e, após ter o pedido negado em sentença, recorreu ao segundo grau. Entre as provas apresentadas, estava a transcrição de conversa anterior em que a trabalhadora e o marido conversam com o superior hierárquico dela após o incidente. No áudio, ele reconheceu a falta cometida e pediu perdão pelo ocorrido.

O relator do processo, desembargador Welington Peixoto, afirmou que, em razão da gravidade do fato narrado, não restaram dúvidas sobre a configuração do assédio sexual. “A partir do diálogo com confissões do réu, não há dúvidas sobre a ocorrência do fato, o que foi corroborado, outrossim, pela decisão originária”, ponderou o desembargador.

Segundo o relator, é fato que o conceito de assédio sexual abrange toda conduta sexual praticada, de forma reiterada, contra alguém que a repele. Ele ressalta, no entanto, que é possível ocorrer assédio sexual em apenas um único ato, desde que grave o suficiente para a sua configuração, não sendo a reiteração da conduta compreendida como elemento essencial. “É indubitável a gravidade da conduta do trabalhador, que investiu de modo austucioso, em um ambiente sem espaço para fuga, minimizando as chances de defesa da emprega”, observou.

Peixoto acrescenta ser irrelevante, no caso, o pedido de perdão formulado pelo superior hierárquico na conversa com a vítima e seu companheiro. “O perdão posterior, sem eficácia na atenuação do dano, não repercute no dever de reparação pelo abalo moral causado em decorrência do constrangimento, desrespeito e humilhação suportados pela vítima”, assinalou.

Ainda argumentou que se verifica no caso a “perpetuação de um paradigma social consolidado, de objetificação do corpo feminino”. Para o magistrado, não é admissível que após, tanto avanço social nesta seara, as pessoas ainda se sintam à vontade para atingir a dignidade de uma mulher trabalhadora. Nesse sentido, alertou que atos desrespeitosos, em total desconsideração pela mulher, não podem ser tratados como meros dissabores, não sujeitos à reparação.

Além disso, continuou, a empresa tem a obrigação de garantir a segurança e a integridade física e psíquica de seus empregados durante a prestação dos serviços, não podendo ser conivente com investidas sexuais impertinentes de seus superiores hierárquicos ou de outros empregados.

Concluiu que a responsabilidade da empresa pelo ocorrido encontra previsão nos artigos 932, inciso III, e 933, do Código Civil ainda que não haja culpa de sua parte.

Dano moral reflexo

O companheiro da vítima, que também é autor da ação trabalhista, pediu dano moral em ricochete (reflexo) pois alega que foi “profundamente” ofendido pelo ocorrido. Ao analisar esse pedido, o desembargador Welington Peixoto disse que é configurado o dever de indenizar apenas se é comprovada a humilhação, o constrangimento e a ofensa direta aos direitos de personalidade do cônjuge, o que, segundo ele, ultrapassa os limites da competência da Justiça do Trabalho.

Para o relator, quando analisada a partir da ordem patriarcal, fica evidente, uma estrutura social que tolera a posse e o controle dos corpos femininos, na medida em que, no caso, o corpo da mulher está sendo identificado como propriedade do marido. “Nessa concepção, entendo que a aceitação do dano moral por ricochete, ou seja, por via reflexa, robustece as discrepâncias sociais e as estruturas de dominação e submissão da mulher”, concluiu.

Assim, reconheceu que o assédio sexual contra a mulher não gera, automaticamente, o direito à indenização por dano moral ao companheiro da vítima, sendo imprescindível a comprovação de que o fato  além de atingir a mulher, tenha atentado de forma direta, e não por via reflexa, contra a honra, a imagem ou a dignidade do respectivo cônjuge.

Nesse sentido, deu parcial provimento ao recurso para condenar a empresa e o empregado, de forma solidária, à indenização por danos morais em favor da trabalhadora assediada, no valor de R$ 5 mil. O voto do relator foi seguido por unanimidade pelos demais julgadores da Primeira Turma.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região

Uso do bafômetro viola direitos, decide Justiça do Trabalho ao reverter demissão por justa causa

Um trabalhador demitido após um teste de bafômetro apontar embriaguez conseguiu reverter a dispensa por justa causa na Justiça do Trabalho com base nas salvaguardas da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Nesse tipo de demissão, o trabalhador não recebe a multa de 40% do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviços) e não tem direito a aviso prévio nem ao seguro-desemprego

A legislação entrou em vigor em setembro de 2020 e deu ao cidadão o direito de decidir que tipos de dados pessoais fornece e de ser informado de que modo esses dados serão coletados, armazenados e usados. Para o juiz André Luis Nacer de Souza, da 1ª Vara do Trabalho de Dourados (MS), a empresa que submeteu o funcionário ao bafômetro descumpriu a LGPD ao não comunicar de maneira explícita a finalidade e a necessidade de realizar o teste. O tipo de dado coletado, por ser uma informação relacionada à saúde, é considerado sensível.

O acesso a dados sensíveis, como origem racial e étnica, convicção religiosa e informações de saúde e vida sexual, só pode ocorrer, segundo a lei de proteção, com o consentimento do titular e para finalidades específicas. O trabalhador demitido por justa causa em Dourados era auxiliar de carga e descarga em uma distribuidora de bebidas. Na dispensa, a empresa usou trecho da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que fala em embriaguez habitual ou em serviço como uma das hipóteses da justa causa.

O resultado do teste de bafômetro foi de 0,078 mg de álcool por litro de ar, medida que, na avaliação do juiz, indicava que o consumo de bebida alcoólica teria ocorrido no dia anterior. Alexandre Cantero, advogado do trabalhador, diz que os testes eram feitos de maneira aleatória, a partir de sorteio. A LGPD prevê a possibilidade de o tratamento de dados sensíveis ocorrer sem o consentimento quando o acesso for indispensável para o cumprimento de obrigação legal do controlador, que é a pessoa física ou jurídica que toma as decisões quanto ao uso dessas informações. Em uma relação de trabalho, é o empregador.

Se o trabalhador fosse motorista, o entendimento seria outro, segundo o magistrado. “A título de exemplo, a realização de exame toxicológico em motoristas, independentemente de seu consentimento, para fins de cumprimento do artigo 168, § 6º, da CLT [que trata da realização desses exames], seria situação que se enquadraria no dispositivo.” A empresa foi condenada a pagar o aviso prévio indenizado de 30 dias e as demais verbas rescisórias, como férias proporcionais e a multa do FGTS, e mais indenização de R$ 5.000 por danos morais. A distribuidora recorreu ao TRT-24 (Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região), mas a contestação ainda não foi julgada.

O uso dos termos da LGPD em ações trabalhistas vem crescendo. Em 2021, pelo menos 2.048 processos iniciados na Justiça do Trabalho citavam a lei e termos como justa causa ou danos morais em suas petições iniciais, aponta levantamento da startup de jurimetria Data Lawyer Insights. A maioria desses processos ainda está pendente de conclusão. A especialista em direito digital Rosana Pilon Muknicka, do Tocantins & Pacheco Advogados, diz que o assunto precisa ser tratado de maneira multidisciplinar nas empresas, e não apenas pelos departamentos de RH, pois poderá afetar contratos e processos anteriores à lei.

Em dezembro, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST (Tribunal Superior do Trabalho) aplicou a LGPD para condenar uma empresa de logística em um processo iniciado pelo Ministério Público do Trabalho em 2018. Prestadora de serviços de gerenciamento de riscos a transportadoras e seguradoras, a empresa fornecia dados de motoristas autônomos às suas contratantes. Segundo o MPT, informações pessoais e dados de restrição de crédito eram usados em cadastros, depois usados para embasar a contratação dos motoristas.

A advogada Fernanda Mendes, sócia trabalhista do Tocantins & Pacheco Advogados, diz que é comum os contratos terem cláusulas de proteção às informações e destaca que a responsabilidade é mútua. “A empresa também pode usar a LGPD para se proteger caso alguém acesse dados de funcionários e de clientes”, afirma. Para Rosana Muknicka, a lei de proteção de dados exige que as empresas repensem o tipo de informação exigida de seus funcionários e por quais motivos elas são necessárias. “Por que você quer saber a religião do seu funcionário? Se é porque existe um refeitório e você precisa prever restrições alimentares, faça essa pergunta, e não a da religião.”

A especialista diz também que o uso da LGPD não está restrito à Justiça do Trabalho. Sempre que houver violação, ou seja, vazamento de dados pessoais, o cidadão por acionar a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), a quem caberá a apuração. *

QUATRO PERGUNTAS SOBRE A LGPD O que é?

Debatida há mais de dez anos, a lei coloca o cidadão na figura de titular de seus dados. A norma impõe regras aos setores público e privado, que se tornam responsáveis por todo ciclo de um dado pessoal na organização: coleta, tratamento, armazenamento e exclusão. A lei vale para meios online e offline

O que muda para o cidadão? Uma das principais transformações é a garantia legal de acesso e transparência sobre o uso de seus dados. O cidadão poderá exigir das empresas públicas e privadas informações claras sobre quais dados ela coletou, como os armazena e para quais finalidades os usa. Poderá pedir cópia dos mesmos, solicitar que sejam eliminados ou transferidos

Que dados são esses?

Qualquer dado que identifique uma pessoa (como nome completo ou CPF) ou que possa vir a identificar a partir do cruzamento com outros dados. Dados sensíveis (biométricos ou ligados à posições políticas e religiosas) têm proteção extra; não valem para a lei dados jornalísticos, artísticos e acadêmicos

O que é ANPD? Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Formada por um conselho e cinco diretores, a serem nomeados pelo Executivo. É o órgão responsável por zelar, implementar, fiscalizar e multar